terça-feira, 24 de dezembro de 2013

CRÔNICA MUITO OPORTUNA À VÉSPERA DO NATAL, TEMA EMOCIONANTE QUE, INFELIZMENTE, COM O PASSAR DO TEMPO, MAS CONSTATAMOS... Feliz ADORNO - muito educativo e à ótima reflexão! FELIZ FESTAS NATALINAS A TODOS...




Crônica do Dia
O Natal de Auxiliadora, 
uma das residentes do Asilo
Maria Auxiliadora Rodrigues olhava atentamente o portão do Asilo Santa Lourdes, à espera de seus filhos, Maria José e Fernando, e de seus netos. Era Natal. Passar esse dia com eles era o que ela mais queria, desde fevereiro, mês em que a internaram. Beijos e abraços e uma longa conversa era seu sonho. Levantou, tomou café, vestiu sua melhor roupinha e disse aos 31 residentes da casa:
– Vou esperar meus filhos e meus netos, não espero presentes, quero olhá-los, passar minhas mãos em suas faces e dizer que sempre os amei.
Ao longo de seus 82 anos, Maria Auxiliadora, dedicou sua vida à família. Fazia todo o serviço de casa e acompanhava os filhos em suas tarefas escolares. Diariamente, por muitos anos, sentava com eles na cama, contava uma historia infantil, rezavam e agradeciam a Deus pelo dia; depois, ela os cobria e beijava suas testas. E ia dormir com o Manuel, com quem vivera 52 anos.
Nos dias que antecederam o Natal, Dora, como era chamada, bordou o nome de seus familiares em lenços brancos. Era o presente que poderia dar, mas era com amor, dentro da qualidade possível às suas mãos trêmulas. Além dos filhos, entregaria também os lenços à sua nora, seu genro e aos seus quatro netos. Ao manusear as agulhas e ver surgindo os nomes, as lágrimas desciam à sua face. Eram saudades, muitas saudades.
No Asilo, sempre cabisbaixa, não se adaptava e não aceitava sua nova vida. Vivera 81 anos em sua casinha, simples, e agora estava ali, como que abandonada. Não tinha mais o marido, falecido dois anos antes. Sabia que seu destino fora traçado pela Zélia, sua nora, e seu genro, o Pedro. Eles se negaram a abriga-la em seus lares: faltava tempo, precisavam cuidar de seus filhos, viver a vida deles, e a Auxiliadora, já frágil, necessitava de cuidados especiais. Os filhos cederam.
Nos dois primeiros meses em que foi acolhida pela nova casa, seus filhos foram visitá-la aos domingos. Depois, as visitas foram se tornando raras. A última visita aconteceu em agosto, mas agora ela seria recompensada com a presença de todos eles. Sentariam debaixo de uma árvore ornamentada com motivos natalinos. Com certeza, os filhos trariam o tradicional panetone de Natal e eles passariam horas e horas, contando as novidades. Esse era seu sonho.
As horas foram passando. Às 11h30, no almoço, todos os residentes reunidos para o almoço especial – apenas quatro receberam seus familiares. Auxiliadora estava só, mas, alegre, conversou muito com todos e a cada um dizia, como numa justificativa: “meus filhos têm a família deles, vão almoçar juntos, e à tarde estarão aqui comigo”.
A cadeira de balanço estava voltada ao portão de entrada, e já eram 18h00, quando Auxiliadora viu um casal com dois filhos entrando no estabelecimento. Pensou que deveriam ser parentes de algum dos internos. Eles pediram cadeiras à assistente social e se sentaram em torno dela. “Nós viemos te visitar”, disse a matriarca. Atônita, Auxiliadora não entendeu nada. O casal abriu a cesta e tiraram bolo, doce, e um quarto de um panetone. Conversaram por algumas horas. Por alguns momentos, Auxiliadora esqueceu-se de seus filhos. Na despedida, ela recebeu beijos, abraços e sentiu as mãos desses estranhos afagarem sua face. À saída da família, voltou seu pensamento aos filhos, genro, nora e netos. Chorou copiosamente e, amparada por uma “cuidadora”, recolheu-se ao seu leito. Tornou a chorar por toda a noite.
Nos dias seguintes ao Natal, com o coração travado pela angústia, pela solidão e pela saudade, Auxiliadora definhou visivelmente. Na manhã do Ano Novo, os portões do Asilo se abriram e todos os familiares dela entraram, flores às mãos. Estavam atendendo a um pedido da direção da entidade: Auxiliadora estava morta.

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