RACIOCÍNIO CONSTANTE PARA SEGUIR UMA CARREIRA NO XADREZ
Por Katryn Dias
Se atletas de modalidades olímpicas têm dificuldade de sobreviver do esporte no Brasil, imagina viver de xadrez? Aos 19 anos, Thauane de Medeiros está tentando essa façanha. Como os prêmios dos torneios que ganha não dão nem para pagar as despesas das viagens, a jovem se vira como pode. Além de dar aulas de xadrez, Thauane escreveu um livro e hoje passa parte do seu tempo vendendo os exemplares autografados em frente ao Masp, em São Paulo. Isso tudo porque ela não consegue patrocinadores.
"NO BRASIL, A PRIORIDADE É O FUTEBOL, ENQUANTO OS PAÍSES DE PRIMEIRO MUNDO ABREM ESPAÇO PARA TODAS AS MODALIDADES" |
Títulos suficientes ela tem, faltam empresas que se interessem por uma modalidade pouco difundida no país. Campeã brasileira Sub-18 e sub-20, Thauane já representou o Brasil em diversos torneios internacionais e ainda teve a honra de enfrentar o ícone mundial do xadrez, o russo Garry Kasparov. Apesar das dificuldades, ela jura que não vai desistir de seguir carreira e, no futuro, abrir sua própria escolinha de xadrez.
Esporte Essencial: Como você se interessou pelo xadrez? O que te atraiu no jogo?
Thauane de Medeiros: Quando tinha oito anos, meu cunhado me ensinou a jogar xadrez, porque, naquela época, eu precisava de alguma coisa, algum jogo para me entreter. Como as minhas irmãs casaram cedo, sempre fiquei muito tempo sozinha em casa e o xadrez veio para me ajudar a passar o tempo.
Em menos de um mês praticando, já comecei a ganhar do meu cunhado com as próprias jogadas que ele tinha me ensinado. Logo depois, os meus pais me transferiram de escola, para uma de ensino médio em Palhoça (SC) mesmo, e lá tinha as crianças ficavam jogando entre si. Então, eu passei a estudar de manhã e fazer xadrez à tarde.
EE: Então, você passou a praticar no colégio mesmo. Na sua cidade natal, Palhoça, o xadrez é bastante difundido? E em São Paulo?
TM: Não, na cidade de Palhoça não existe nem clube de xadrez, o mais próximo fica em Florianópolis. Já em São Paulo, existem vários clubes, inclusive, cada bairro tem o seu. Foi por isso que surgiu a ideia de vir morar em São Paulo. Aqui tem mais competições, tem mais clubes, tem mais condições para um enxadrista. Antes de me mudar, conversei muito com a minha família, que sempre me apoiou. O fato de ter vindo morar com dois amigos, que eles já conheciam, também facilitou a decisão. Mas a minha família continuou em Palhoça e não pretende morar em São Paulo, então eu demoro meses para encontrar com eles.
EE: E você acha que está valendo a pena ficar longe da família?
TM: Em questão de xadrez sim. Meu foco é o xadrez, eu não pretendo desistir de seguir essa carreira. Então, meus pais entendem.
A REALIDADE DO XADREZ: DENTRO E FORA DO BRASIL
EE: Quando você começou a pensar que podia se tornar profissional? Foi difícil chegar lá?
TM: Logo depois de aprender a jogar, com oito anos, eu comecei a ganhar os torneios escolares. Lembro que consegui vencer o campeonato da escola e fui disputar o estadual. Em seguida, ganhei o estadual em Santa Catarina e disputei o Campeonato Brasileiro em São Paulo, em 2004. Nesse meu primeiro torneio nacional, fui a segunda melhor do Brasil dentro da minha categoria, o que me deu direito à vaga para participar do Pan-Americano na Colômbia. Depois que fiz essa viagem para a Colômbia, aos dez anos, eu comecei a levar o xadrez mais a sério, a competir e estudar mais.
EE: E como foi essa primeira experiência em um torneio fora do Brasil? O que você levou de lição para as próximas competições?
TM: Foi uma surpresa para mim, mas acho que como eu era muito nova, não aproveitei tanto. A experiência maior veio agora, com a minha ida para a Grécia no ano passado. Ali, eu pude ver a evolução da Europa no xadrez, que é muito diferente do Brasil.
EE: E qual é a principal diferença do xadrez fora e dentro do Brasil?
TM: Por exemplo, em Cuba, Rússia, China e Japão a modalidade é muito mais difundida e existe, inclusive, faculdade de xadrez. É algo que eles aprendem ainda crianças, com quatro anos. A família inteira joga, então é uma tradição mesmo. E como as crianças já nascem naquele meio, não tem como elas não praticarem e, além disso, os pais exigem. No Brasil, a prioridade é o futebol, enquanto os países de primeiro mundo abrem espaço para todas as modalidades.
Outra diferença enorme é que no Brasil o xadrez não tem mídia. Ao passo que, em alguns países, você pode ver uma partida pela televisão, ao vivo.
EE: Na sua opinião, o que é preciso para o xadrez ser mais conhecido e praticado no Brasil?
TM: O que dificulta muito é o fato do xadrez não ser um esporte olímpico, não aparecer nas Olimpíadas. Para ser olímpico, ele precisaria ser um esporte de massa. Para piorar, o xadrez é um pouco monótono, então não possibilita uma torcida, com aquela vibração e as pessoas gritando para incentivar os jogadores. O xadrez é um esporte de muita paciência e concentração. Dependendo da partida, ela pode durar cinco, seis horas. Então, esses pontos negativos fazem com que a modalidade não tenha espaço na mídia. E se o xadrez fosse transmitido na televisão aqui, ele só seria visto por aqueles que já estão no meio, porque as outras pessoas iriam achar muito entediante, já que não tem muito movimento.
Por isso, acredito que o meio de difundir o xadrez é através das escolas. Todas as escolas do Brasil deveriam montar um polo de xadrez para as crianças, porque elas se interessam muito pelo jogo. O ideal seria contratar um professor, espalhar tabuleiros e deixar aberto para os alunos jogarem. Mas também é muito importante ter um incentivador para explicar o que é o xadrez e quais os seus benefícios.
EE: Você costuma dizer que o xadrez deveria ser mais praticado por crianças em todas as escolas. Quais os principais benefícios que o jogo pode trazer para o desenvolvimento das crianças?
TM: O xadrez ajuda a melhor uma série de habilidades, como a memória, a concentração, a paciência, a lógica. Também é muito bom para ajudar a desenvolver espírito de luta e vontade de aprender outras línguas – porque quando você está no meio do xadrez, você entra em contato com muitos estrangeiros durante os torneios – e controlar a ansiedade. No meu caso específico, me ajudou bastante a melhorar a memória.
PATROCÍNIO: É POSSÍVEL?
EE: Hoje, você consegue sobreviver do xadrez?
"SE EU TIVESSE, JÁ NÃO PRECISARIA FAZER ISSO. ESSE TEMPO GASTO TENTANDO VENDER OS LIVROS, EU PODERIA USAR PARA ESTUDAR MAIS O XADREZ OU ATÉ MESMO FAZENDO UM SUPLETIVO, PORQUE EU NÃO TERMINEI O ENSINO MÉDIO" |
TM: Eu ainda não posso falar que vivo do xadrez. O dinheiro que consigo dá para pagar as contas da casa, que divido com amigos. E quando eu quero ir a algum torneio específico, preciso trabalhar mais, porque ainda não dá para participar de todas as competições. Funciona assim: eu seleciono o torneio que quero participar, calculo os meus gastos e foco para fazer aquele dinheiro. Não é algo que seja confortável, eu tenho sempre que planejar todas as minhas participações em torneios com pelo menos um mês de antecedência. Por exemplo, vai ter um torneio mês que vem em Manaus e eu já não vou poder participar, porque a passagem é muito cara.
EE: Existem empresas interessadas em patrocinar enxadristas?
TM: Não existe patrocínio no xadrez, porque a maioria das empresas patrocinadoras pensam em si, elas querem retorno em mídia, o que não acontece nessa modalidade. Toda a vez que eu procuro patrocinador, a primeira coisa que me perguntam é: “Que retorno nós vamos ter?”. Infelizmente, não tem retorno nenhum. O xadrez não está na televisão, não tem propaganda e os torneios só são divulgados para aqueles que já jogam.
Apesar disso, nós precisamos muito de um patrocínio, porque as despesas do xadrez são altas. As inscrições dos torneios são caras – variam entre R$80 e R$200 –, sem falar em hospedagem, passagem, alimentação e professor particular. Por isso, eu faço questão de falar do xadrez sempre que posso para que as pessoas, sejam crianças, escolas ou empresas, vejam com outros olhos.
EE: Então, foi da necessidade de bancar suas próprias despesas que surgiu a ideia de vender livros sobre xadrez na Avenida Paulista?
TM: Isso mesmo. Eu preciso participar dos torneios e a duração deles é grande, varia de cinco a dez, 20 dias. Se eu pegasse um emprego fixo, não poderia faltar ao trabalho para participar das competições. Então, a ideia é que eu faça os meus próprios horários e ainda tenha um dinheiro extra para poder fazer as viagens.
Agora, se eu tivesse um patrocinador ou algum incentivador, já não precisaria fazer isso. Esse tempo gasto tentando vender os livros, eu poderia usar para estudar mais o xadrez ou até mesmo fazendo um supletivo, porque eu não terminei o ensino médio.
Mas infelizmente eu vejo que aqui todas as modalidades, não só o xadrez, são prejudicadas por causa do futebol, que é o foco do Brasil. O xadrez também é essencial, é bom para a mente. Se as escolas e as empresas investissem no xadrez, estariam ganhando muito.
Thauane posa com os livros vende em frente ao Masp para aumentar a renda
EE: Além de vender os livros, você está dando aulas de xadrez, não é? Por que você resolveu dar aulas virtuais também?
TM: Existem algumas cidades e bairros específicos no Brasil que não tem nenhum vínculo com o xadrez, não tem professor, não tem praticantes, não tem escolas. E muitas pessoas que moram nesses locais tem vontade de aprender, então daí surgiu a ideia de dar aulas virtuais. Como existem sites e programas para jogar online, eu posso falar com a pessoa pelo microfone e ensinar o xadrez, analisando as jogadas. Para mim, também é uma vantagem por essa facilidade de não ter que sair de casa para dar aula.
As aulas estão sendo ótimas. Além de ensinar, eu aprendo. Tem coisas que preciso estudar ou relembrar para poder ensinar para alguns alunos, e isso já me ajuda muito.
OS TORNEIOS
EE: Em setembro de 2011, você enfrentou o enfrentou o campeão mundial Garry Kasparov. O que você aprendeu com essa oportunidade?
TM: A partida durou mais ou menos 1h40, com cerca de 48 lances. Poderia ter durado mais tempo, porém, eu desisti. Para quem joga profissionalmente, seria antiético saber que vai perder e ir até o xeque-mate (momento da derrota, quando o adversário deixa o seu rei sem movimentos possíveis). Não seria legal com o mestre, então eu antecipei a minha derrota.
Apesar de ter perdido, com certeza eu aprendi muito. Além de ganhar a experiência, tive aquela partida escrita, então pude trazer para casa e analisar com calma. E em toda análise que faço, eu aprendo algo. Fora que jogar contra o Kasparov foi extremamente emocionante para mim. Eu joguei com o ícone mundial do xadrez, então foi muito importante.
EE: Como você se prepara para os torneios?
TM: Existe um site chamado FIDE (World Chess Federation), que pertence a terceira maior organização de xadrez do mundo. Lá é possível encontrar todas as partidas de todas as pessoas e assim eu consigo analisar o que o meu futuro adversário, começo a ver os seus pontos fracos e fortes. Aí eu penso em como posso jogar contra ele, já sabendo todos os movimentos que posso e não posso fazer.
Mas além disso, eu precisaria de um treinador para me ajudar mais, me passar mais experiência. Hoje eu treino sozinha, porque o treinador é uma das coisas mais caras e eu não tenho condição de arcar com isso agora.
Em 2011, a jovem enxadrista enfrentou o campeão mundial Garry Kasparov em uma simultânea
EE: Qual o seu maior sonho?
TM: Eu quero virar grande-mestre de xadrez, que é o último título feminino. Eu acredito que quando virar mestre, as oportunidades serão muito maiores para mim. Mas para chegar lá, eu preciso participar dos torneios e ganhar títulos. Fora do Brasil, onde o xadrez é difundido nas escolas, esses torneios importantes acontecem toda semana dentro da escola. Sem falar que a premiação também é boa. Aqui, o prêmio não dá nem para pagar as despesas.
Meu outro sonho, desde menina, é ter uma escola de xadrez, para difundir a modalidade e mostrar a sua importância.
EE: Para finalizar, deixa o seu contato. Se alguém quiser fazer aulas com você ou comprar seus livros, onde pode te encontrar?
TM: Quem tiver interesse, pode deixar uma mensagem na minha página do Facebook (clique aqui), que eu entro em contato. O livro para outras cidades e estados, eu estou enviando via Correio. Agora, para quem é de São Paulo, é só ir até o Masp segundas, sextas ou domingos, de 9h ao meio-dia, que eu estarei lá para autografar.
EE: Para você, o esporte é essencial?
TM: Com certeza. Praticar esporte, não só o xadrez, é muito bom para a saúde e para o desenvolvimento físico e mental das pessoas. Um pessoa que hoje não tem tempo para nada, acaba tendo que conviver com o estresse, e o esporte poderia ajudar. Você não perde tempo quando pratica um esporte, ao contrário, ganha tempo. Além disso, o esporte é capaz de tirar crianças e jovens das ruas e das drogas.
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