As concussões decorrentes da prática do futebol americano e os riscos que elas representam para a saúde dos jogadores fazem atualmente parte de um debate acirrado nos Estados Unidos. Durante anos, a National Football League (NFL), tentou desqualificar e minimizar as conclusões e os resultados dos estudos científicos, que eram considerados também naquela ocasião de alta credibilidade pelos especialistas, e que apontavam para os riscos das concussões decorrentes do jogo.
Na verdade, a liga norte-americana até mesmo patrocinou e apoiou estudos com metodologias questionáveis, que audaciosamente chegaram a pôr em cheque as conclusões e os resultados obtidos em pesquisas científicas idôneas e independentes. Só depois da publicação de vários outros estudos confirmando os riscos decorrentes das concussões, a organização de modo a preservar sua reputação, tentou reverter à situação e começou a reconhecer o problema. No entanto, naquele momento, as provas já eram tão concretas e evidentes que a liga não tinha como manter sua posição inicial. Como resultado, até o presente momento, existem mais de 2000 jogadores que já processaram a liga de futebol americano por não ter feito o suficiente para protegê-los dos riscos associados às concussões.
Da mesma forma que os problemas decorrentes das concussões no futebol americano foram inicialmente menosprezados, o impacto fisiológico que resulta das participações em eventos de ultra-resistência tais como, as maratonas, as ultra-maratonas, os triatlos e as competições Ironman, tem sido também, na maioria das vezes, ignorado apesar das conclusões alarmantes das pesquisas. De fato, os efeitos prejudiciais ao sistema reprodutor (testículos/gônadas) decorrentes das competições de ultra-resistência e treinamentos excessivos já são do conhecimento de fisiologistas do exercício desde as últimas décadas.
As gônadas que também fazem parte do sistema endócrino são responsáveis pela produção de vários hormônios, incluindo a testosterona. Presente em ambos os sexos, a testosterona é um hormônio que tem papel fundamental na promoção de várias funções corporais como, por exemplo, o aumento da massa muscular, o aumento da densidade óssea, a diminuição da gordura corporal, a integridade do sistema imunológico, o poder de recuperação após a atividade física e o desempenho sexual normal. Esse hormônio é essencial para a saúde e para o bem-estar geral.
Os atletas que participam desses desafios de ultra-resistência realizam uma grande carga de treinamento. Não é incomum que os participantes de tais eventos agreguem mais de 200 quilômetros de corrida semanalmente visando à preparação para o dia da competição. Tal rotina rigorosa de treinamento físico tem um impacto fisiológico significativo sobre o organismo (em nosso último artigo publicado neste blog—http://quando-o-exercicio-vira-risco-para-a-saude/—abordamos o tema de maneira profunda). Assim sendo, existem muitos relatos dos baixos níveis de testosterona em homens que se submetem excessivamente ao estresse físico e aos esportes como a maratona e outras modalidades de ultra-resistência.
Em entrevista pelo telefone perguntei ao Dr. William Kraemer, renomado professor fisiologista do exercício da Universidade de Connecticut, sobre o problema enfrentado por estes atletas. Ele afirmou que, em um de seus estudos, que até mesmo antes do início das provas a maioria dos corredores de ultra-resistência se encontrava em estado hipogonodal (condição na qual a diminuição da atividade funcional das gônadas ocorre, resultando assim, em quantidades mais baixas de testosterona). O fisiologista ainda complementou que: “O nível de testosterona na maioria dos corredores após a corrida se encontrava perto de níveis pré-púberes”.
No momento, a causa exata dos baixos níveis de testosterona não é completamente compreendida e permanece um tópico de muita especulação. Assim sendo, diversas teorias têm sido argumentadas por diferentes pesquisadores. Uma teoria envolve a atividade do eixo HPG (hipotalâmico – hipofisário – gonadal), que é a designação dada às glândulas endócrinas, que agem muitas vezes em cooperação e funcionam como se fossem um sistema único. Diversos fisiologistas do exercício acreditam que algum mecanismo fisiológico dentro do eixo HPG seja responsável pelos níveis mais baixos de testosterona nos homens.
Quando perguntei ao Dr. Ira Sharlip, urologista reconhecido mundialmente e professor da Universidade da Califórnia em São Francisco, sobre as consequências a longo prazo dos baixos níveis de testosterona, ele afirmou que “Diversos sistemas do organismo podem ser afetados. Os atletas que sofrem cronicamente de baixos níveis de testosterona (aqueles que são hipogonadais), potencialmente, a longo prazo, correm o risco de uma diminuição da densidade mineral óssea e da força muscular, do aumento da gordura corporal, e dos níveis reduzidos da vitalidade, da energia e da libido”. O urologista também salientou a importância do apoio de pesquisas mais aprofundadas no futuro com o intuito de obtermos maiores informações sobre o assunto.
Assim sendo, atualmente, é bem provável que estejamos diante de uma situação, nas modalidades de ultra-resistência, comparável ou análoga ao problema das concussões que o futebol americano inicialmente enfrentou vários anos atrás quando os riscos eram conhecidos e reconhecidos por uma minoria (alguns pesquisadores e algumas pessoas ligadas ao esporte). Num futuro próximo, com as conclusões de investigações mais aprofundadas e abrangentes, talvez possamos chegar a um ponto, o qual o público tomara ciência das adversidades fisiológicas que possam decorrer da participação em esportes de ultra-resistência, da mesma forma, que diversos estudos apontaram para os riscos das concussões no futebol americano e alertaram o público.
Nota: Não queremos e não devemos dissuadir as pessoas da prática das atividades físicas diárias, pois o exercício praticado de forma sensata traz benefícios comprovados a saúde.
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