Didi no reino dos milionários |
Texto de DANIEL CAMIROAGA Fotos de ROGELIO LEAL |
Madrid - Agôsto (Via Panair do Brasil) Hoje, em Madrid, mesmo as pessoas mais distantes do futebol falam de um nome e por êle esqueceram todos os que, no campeonato passado, foram os ídolos da torcida. Êsse nome é Didi que, juntando-se a Puskas e Di Stefano, é o mairo refôrço da equipe milionária do Real Madrid para o próximo campeonato da Liga Espanhola. Outros craques, por certo, hão de manter aqui seus nomes no cartaz, mas a grande notícia da atualidade é mesmo Didi, que, sem ter sido visto em campo ainda pela maioria dos torcedores espanhóis, chega do Rio de Janeiro trazendo fama que nunca um jogador trouxe consigo. Lança-se na Espanha uma pergunta no ar e no ar ela se sustém: - Como jogará Didi? Para chegarmos a Didi, procuramos primeiro o treinador Fleitas Solich e, como o estádio do Real Madrid estivesse sob calor muito forte, marcamos com o paraguaio uma conversa em seu hotel. - Que nos diz sôbre seu trabalho no Brasil? - Creio que nada lhe vou dizer - responde Don Fleitas -, porque antes de sair do Rio, sua Revista, "O Cruzeiro", fêz sobre mim uma extensa reportagem. Então contei minha vida de desportista, contei tudo. Que posso dizer agora? - Já que não quer falar de você, fale-me de Didi. - Dêsse, sim, posso falar. Didi está conceituado como um dos melhores atacantes do mundo. Assim o consideram não só em seu país, mas na América inteira e até na Europa. - Acredita numa rivalidade entre Didi e Di Stefano? - Por parte dêles, não. O temível é que o próprio público os faça rivais, sem que eles queiram ser. Não se pode esquecer que ambos são profissionais e conhecem bem seus papéis. - E que lhe parece o Real Madrid, visto da América? - O treinador do Barcelona dizia que na América do Sul consideram o Real Madrid o melhor do mundo. Também penso assim. Isso, visto da América, como resultado de uma observação distante. - Acredita você que conseguirá manter a equipe no mesmo conceito, na próxima temporada? - Verá. Respeito o adversário e, antes de tudo, não posso antecipar-me aos resultados. Tôda declaração pode ser, ou ao menos parecer, presunçosa. Claro que pretendo manter o prestígio dentro do time e acredito nêle, porque tenho confiança em mim e sei como são os rapazes que o integram. Solich levanta-se para atender ao telefone e, por coincidência, encontramos o craque paraguaio Heriberto Herrera, até pouco tempo uma das “estrêlas” do Atlético de Madrid e agora em período de cura da operação que fêz na perna esquerda. - Que lhe parece Fleitas Solich como treinador? - Muito correto e bom. Sabe manter uma equipe com disciplina e sem usar de violência para isso. Quando determina uma coisa, raciocina sôbre ele e faz com que o jogador saiba porque deve fazer o que lhe está sendo mandado.
Na manhã seguinte, voltamos ao Estádio do Real Madrid. Tentamos falar com Di Stefano, mas êle sai de lado, quase a dizer-nos que está farto de fotógrafos e jornalistas, mas não chega a dizê-lo - e é melhor assim. Procuramos Didi, e Didi é diferente: amável, simples, cordial. Parece tímido. Na porta, um grupo de turistas alemães que, ao saberem da presença de Didi no Estádio, querem fotografá-lo e pedir-lhe autógrafos. Pela primeira vez, Didi vestia a camisa branca do Real Madrid, para as fotos de “O Cruzeiro”. Pouco depois, sai para o vestiário: seu treinamento acaba antes, por determinação médica. Quando chegou à Espanha, pesava 68 quilos e e meio, mas, com o intenso trabalho de instalação da casa, visitas à televisão, rádios, seguidas entrevistas aos jornais, baixou para 66 quilos e meio. Didi está pronto para sair. Uma multidão de meninos o espera pacientemente. E, depois, os rapazes. Mas foi preciso que a polícia viesse abrir caminho para que pudéssemos passar. Chegamos a sua casa e vejo que Didi teve a sorte de arranjar uma residência bonita, alegre e bem mobiliada. À porta está sua filha, Rebeca. E então começa a entrevista: - É certo que você custou ao Real 80 mil dólares? Didi não entende, tira do bôlso um recorte de jornal, que êle lê vagarosamente, e depois confirma: - Aí está tudo certo. - Aqui a imprensa diz que você é um grande jogador, mas que só jogará bem duas temporadas. Que diz você disso? - Ao contrário. Tenho 30 anos, mas 30 anos de vida muito cuidada. Não bebo nem fumo e tenho vida caseira desde que casei em 51. Cuido de minha natureza de modo científico, seguindo tôdas as ordens médicas. Com isso - e estando na Europa - estou certo de chegar aos 35 anos em plena forma. E advirto-o de que eu deixarei o futebol, não o futebol a mim. É muito diferente jogar na América, onde às vêzes suportei temperaturas de 50 graus sob o sol e onde não tinha férias nem repouso algum. - Há bons jogadores no Brasil? - Muitos. Lá estão Garrincha, Julinho, Pelé... Não os deixaram sair. São jogadores muito bons. - E o que lhe parece o treinador Solich? - Só joguei com êle em um combinado com o Flamengo. É um homem de ordem e disciplina. Todos os jogadores falam muito bem dêle. Neste ponto aparece a senhora de Didi, Guiomar Batista Pereira, que não fala espanhol, só o compreende, mas falará muito cedo. Tão simpática quanto Didi. Duas horas em sua casa e já somos amigos. Serve-nos café brasileiro e eu lhe faço uma pergunta: - Você é ciumenta? - Eu? Não... Por quê? Lembrei-lhe que ela apressara Didi quanto êste era solicitado por môças muito bonitas para conceder autógrafos. - É que isso aconteceu na piscina do Real Madrid e elas estavam um tanto decotadas... - Que pensa da profissão de seu marido? - Que é formidável e que tem mais alegrias que tristezas. Com ela, até agora, tem tido tudo o que quer. - Que diz quando o time dêle perde? Didi é que responde: - Ela me recrimina e fico calado por 6 ou 7 horas. Depois volto a falar e ouvir as críticas. De uns dois anos para cá, ela melhorou muito nas críticas. - A pior crítica é da Rebeca, verdade? - Sim, se não há gol é decisiva. Que projetos tem para o futuro? - Dois. O primeiro, para 1962; ir à Copa do Mundo, no Chile, integrando a seleção, se o Real permitir; o segundo: sou sócio de meu cunhado, irmão de minha mulher, numa loja de fazendas em Coaraci, na Bahia. A família de minha mulher tem lá fazendas de cultura do cacau e penso, então, comprar uma fazenda e explorá-la ao mesmo tempo que a loja. Será uma troca de caminhos. - Deseja dizer alguma coisa mais? - Sim. Publique esta nota de saudação aos meus amigos: “Saudações por meio de “O Cruzeiro” para os meus compatriotas do Brasil e amigos da América. Madrid, 17 de agôsto de 1959. Waldidi”. |
terça-feira, 26 de abril de 2011
HISTÓRIA DO FUTEBOL: O SAUDOSO JOGADOR DIDI, o folha seca, NO OUTONO DE ...
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