LEMBRANÇAS DE MINHA TERRA – CAPÍTULO 99 – O QUE VI E POR ONDE ANDEI
“...Trouxe um canto e um desencanto
E um sorriso que consola
Muito amor dentro do peito
Pouca coisa na sacola
Trouxe o cansaço da vinda
De quem anda a pé e só...”
(O baiano Paulo Diniz in “Viola no Paletó”)
Faltando alguns dias para eu chegar à terceira esquina da vida, permito-me algumas considerações sobre minha própria pessoa. Uma simplória reflexão sobre minha vida. Inicialmente digo que sinto-me um ser humano vitorioso. Realmente sou um vitorioso! O grande empresário e jornalista Roberto Marinho iniciou a Rede Globo aos sessenta anos. Então posso também construir um império, se eu ainda desejar ir à luta. Não é a idade o empecilho ao sucesso. Nasci no chuvoso janeiro de 1955 em Itauçu e fui recebido, sem pompas, pelas enchentes do Rio Meia Ponte. Uma pobre Maria me entregou à luz e da luz nunca mais saí. Outra Maria, a parteira Maria Bitú, ajudou na assistência, como era tradicional naquela época sem médicos e sem maternidades. Cheguei ao mundo entre as mulheres, não era comum os maridos assistirem ao parto. Não tive o conforto das fraldas descartáveis nem o tradicional berço, assim nasci sem berço mesmo, uma gamela foi improvisada e deu certo. Meu umbigo não foi curado com os medicamentos tradicionais, mas com o bom fumo de rolo, sobrevivi a tudo. Também minha mãe não tinha leite suficiente e fui amamentado por uma Terezinha que depois me batizou, Terezinha Cardoso, uma das filhas do valente Joaquim Branco, tronco de uma grande família de amigos. Não sei se eu era muito esfomeado, mas necessitei de duas mulheres para me amamentar. E das mulheres tenho gostado até os dias atuais e espero que seja até o fim da vida. Vou fazendo força! O chuvoso janeiro se foi e o sol brilhou. O sangue nordestino fervia nas veias frágeis e muita rapadura, farinha, sarapatel e mariola me conduziram pelos anos de vida. O Rio Meia Ponte continuou seu curso, agora com águas não tão claras. Comecei meus estudos no Grupo Escolar José Ludovico de Almeida, em itauçu, com o ensino de Dona Dádiva Freire, Edith de Jesus Paixão, Marília Sandoval e tantas outras. Com Dona Edith Paixão conheci a doceira poetisa Cora Coralina nos becos de Goiás. Depois fui ao Curso Ginasial, aprendendo com Cyro Figueiredo Drumond, Lázaro Galvão, Mariana, José Marcório , Angelita Silveira Santos, Abrão Nacruth, Tonico Lino, Terezinha França, Abadia Caldas , Ana Lucia Ana Lúcia Ziegler , Anna Carolina dos Santos e tantos outros. Fiz-me homem ainda no início da adolescência e mudei-me de mala e cuia para a Capital, buscando trabalho e estudos. Inconsolável deixei meus amigos e companheiros, deixei o “cortado” de banana verde, o fogareiro de serragem e os tachos de doce. Deixe para trás meus bois feitos de mangas e meus cavalos de cana de milho, com cabrestos de embiras. Também não levei meus barquinhos de papel. Raias, piões, bolinhas de gude e fincas ficaram no embornal dos dias. Deixei para trás o cipó do Tarzan enrolado nas bananeiras e a espada e a máscara do Zorro no baú do tempo. Ficou também o velho Mullard que me trazia as boas e as más notícias e as inebriantes narrativas do futebol e do basquete. Abandonei minhas ricas plantações de batata doce, melão são caetano, feijão andu e cará inglês. Deixei também a voz sonora do saudoso amigo Juvenal Nunes, anunciando os falecimentos sob a pujante “Ave Maria” de Gounod. Deixei em Itauçu parte de minha vida, que um dia irei buscar de volta, mas tinha que crescer! E cresci amparado por amigos e parentes, sob o comando de minha mãe que além da doutrina própria impunha-me regras de comportamento. Viajei o País de norte a sul, de Brasília a Goiânia, de Goiânia a Gurupi, de Gurupi a Ilhéus, a volta a Itauçu, a residência em Itaberaí, os tempos em São Paulo, as viagens pelo Tocantins, Maranhão e Pará. Tomei taças de vinho bom, leite de bacaba e sembereba de buriti. Comi de tudo um pouco, exceto abóboras, até o “pão que o diabo amassou com o rabo”. Comi sarapatel, canjica, carne de meleta, rã, farofa de tracajá e moça branca. Fiz malabarismos, fui bucha de canhão e me pendurei nos trapézios da vida. Só não traí a minha fé! Agreguei valores, conheci gente boa pelos caminhos da vida. Também perdi gente boa pelos mesmos caminhos, perdi meus avós, meus pais e a companheira, perdi incontáveis amigos na jornada. Ganhei outros. A vida é assim mesmo. Viver é lutar! Aprendi a gostar da boa música, da pintura e da poesia. Tive oportunidade de ver Mercedes Sosa cantando nos palcos, vi a sanfona branca do mestre Luiz Gonzaga, vi o The Royal Ballet, vi o Balé Nacional da Lituânia, vi filmes fantásticos, vi artistas populares nas feiras e nas ruas. Sanfoneiros e repentistas povoam meu imaginário. Vi o baiano Raul Seixas que” nasceu a 10.000 anos atrás”. Li Dostoievski, Érico Veríssimo, Neruda, Jorge Amado e Paulo Coelho. Li as entrelinhas e a poesia riscada nos muros das cidades e até as trovas dos banheiros públicos. Fui aos grandes estádios brasileiros, vi Pelé e vi Dedé, vi Rivelino jogando pelo Vila Nova e vi Beckenbauer. Vi seis Papas e muitos Cadeais. Vi, inclusive, dois Papas ao mesmo tempo, uma profecia de Nostradamus. Vi a mudança de século e a mudança de milênio e não me assustei. Vi corrida de Fórmula 1, com o Adauto Júnior e o Marcio Barbosa (para nunca mais querer ver outra), vi balé aéreo e corrida de caminhões. Fui às corridas de cavalos e aos rodeios. Vi o mundo nas lentes da TV e da Internet e vi que a CIA via tudo também. Vi mágicos fantásticos, vi circos e palhaços e vi palhaçadas na política, vi movimentos de ruas e das igrejas. Vi padres e pastores, bispos e cardeais, missionários e espiritualistas doutrinando a fé, uns corretamente e outros com extrema falsidade. Vi templos erguidos ao Santo Pai e aos demônios. Vi Deus onde ninguém imaginaria poder estar e muitas vezes não O vi nas igrejas e nos templos. Vi cair o Muro de Berlin e o fim da União Soviética, vi guerras irreais e atos de terror. Vi bordéis iluminados, cassinos e teatros. Vi poetas nos bares e dançarinos nas ruas. Vi o movimento hippie e desejei ser um deles, me contive em deixar o cabelo crescer e comprar uma mochila. Fiz bem! Fui tão somente um rebelde sem causa. Vi empresários saírem dos céus aos infernos das finanças e vi amigos prosperarem, construindo impérios. Vi revoluções e vi os mortos da violência urbana. Subi aos morros do Rio de Janeiro e vi as praias do Brasil. Vi muita gente saindo dos armários da vida e vi a sociedade aceitando. O comportamento mudou. Vi a repressão e a aceitação. Vi a cascavel enrolada no cerrado, o jacaré papo amarelo e a arraia de fogo nos rios do norte. Vi de tudo um pouco. Vi meus filhos crescerem e vi uma netinha. A minha maior vitória é a vida! Driblando as doenças, a miséria, os amores, as ilusões e a insanidade, sou um vencedor. Graças a Deus e aos amigos. Parafraseando o grande Pablo Neruda, “Confesso que Vivi”. A minha maior vitória é seguir em frente sempre e a minha maior virtude, que vem de Deus, não desistir jamais!
(Dedico esta última crônica da série aos poetas e escritores itauçuenses nas pessoas dos amigos Walter Alvarenga Dos Santos , Lucinda Prado,Nelson Placido Barbosa,Rúbia Garcia , Gabriela Alves , Karla Carolina Correia, Heitor A. Pereira e Eurípedes Barbosa Nunes )
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