quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O REPÓRTER QUE ENTREVISTOU O DIABO - MAIS UMA BOA CRÔNICA DO SAPIENTE MAURINHO ADORNO...

  1. Sob o olhar de Maurinho Adorno – Gazeta 07.08.2014
    O repórter que descobriu
    e até entrevistou o diabo
    A profissão de jornalista, embora árdua, é muito gratificante. A minha, pelo menos, foi prazerosa por conhecer muita gente de diversos níveis sociais, econômicos e culturais, além de ganhar conhecimento ao fazer matérias em variados setores. Valeu a pena, pois essa vivência compensou os problemasinerentes à profissão: a tensão ao tentar retratar da melhor maneira possível um fato, transportando o leitor imaginariamente à fonte, e vencer as dificuldades de se editar jornais, já na condição de diretor e proprietário de empresas jornalísticas.
    Ainda jovem, com meus 15 anos, eu vim a conhecer o jornalista José Carlos de Andrade, um pinhalense da gema, com fala acaipirada para conquistar a todos quantos atravessassem seu caminho. Ele se referia à sua cidade como “Pinhar”, uma terra que amava de maneira incomensurável. Na época, eu trabalhava no jornal “A Comarca” e meu patrão, o jornalista Arthur de Azevedo, convidou-o para trabalhar na área comercial de “O Guaçuano”, o jornal de maior longevidade na história da imprensa de Mogi Guaçu, naqueles tempos.
    Com uma lábia invejável, conseguiu persuadir as empresas locais a participarem da vida do jornal, vendendo a ideia da importância do comércio e indústria como parceiros para a cidade contar com um informativo independente e imparcial. Publicidades, patrocínio de importantes colunas e matérias especiais pipocavam nas páginas do jornal. Tenho certeza de que ele foi peça fundamental nos tempos de glória de “O Guaçuano”. Hoje, infelizmente, o jornal não mais circula, mas faz parte da história do jornalismo guaçuano.
    José Carlos vendeu a ideia à diretoria da Cerâmica Chiarelli de fazer uma reportagem “in loco” em Jerusalém, para a publicação em série, em diversas edições. Com o projeto aprovado, partiu e ficou por 30 dias na “Terra Santa”, fazendo o périplo de Jesus Cristo, em sua via crucis. As matérias ficaram excelentes – ele tinha um bom texto – com fotos ilustrativas de qualidade. Com certeza, foram fotos adquiridas de fotógrafos locais, uma vez que ele não possuía habilidade com as lentes. 
    José Carlos era vaidoso e gostava de contar suas peripécias no jornalismo. Tinha, contudo, um currículo invejável: trabalhou por muitos anos na extinta revista “O Cruzeiro”, a mais respeitada naqueles tempos. Assinou matérias de generalidades e, em determinado período, fez cobertura política, entrevistando governadores e presidentes da República. Contava essas histórias e comprovava seus feitos, tirando de sua pasta os recortes das publicações. Eram matérias verdadeiras. 
    Em fim de carreira na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, deu passos no mundo televisivo, participando de programas de auditório na extinta Rede Tupi de Televisão, na qualidade de jurado do “Programa Flávio Cavalcanti”. A Tupi era a coqueluche do nascente mundo televisivo. José Carlos foi levado à televisão pelas mãos do também pinhalense, jornalista Clécio Ribeiro, célebre em por e tirar os óculos por diversas vezes, em suas críticas aos músicos que se apresentavam no programa do Cavalcanti. 
    A maior façanha na vida do Zé Carlos ligou sua cidade, Pinhal – hoje Espírito Santo do Pinhal – com a revista “O Cruzeiro”. Do alto da cidade, fotografou um “diabo” num vale e a reportagem ganhou repercussão nacional. Afirmou categoricamente a presença daquela lenda do imaginário popular, o descreveu em minúcias e fez com ele uma excelente entrevista. Algumas pessoas foram entrevistadas e confirmaram a presença daquela figura, vestida com uma capa preta, com chifres e um tridente na mão direita. 
    Um dia, na sede do jornal “A Comarca” me mostrou toda a reportagem e contou como ela fora elaborada. Ele comprou as vestimentas numa loja popular de São Paulo, onde eram vendidos trajes e alegorias carnavalescas e contratou um andarilho para vesti-las. As entrevistas eram com pessoas imaginárias. Enganou a Deus e todo mundo, ou como se diz, a gregos e troianos. 
    Certo dia, ele bateu à minha porta e o empreguei na “Gazeta Guaçuana”, na área comercial. Era fumante inveterado: saía de Pinhal e carregava uma garrafa térmica de café no carro, chegando ao absurdo de parar o carro na estrada para tomar um cafezinho e fumar alguns cigarros. Trabalhou conosco por dois anos e faleceu, vítima de problemas pulmonares. Foi um grande companheiro. Saudades, Zé!

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