terça-feira, 11 de setembro de 2012

CUBAS - UMA AGRADÁVEL HISTÓRIA NO FASCINANTE JOGO DE XADREZ... (reproduzo esta útil entrevista a pedido do discípulo Flávio Novaes - que tem uma bonita meta enxadrística...)


“Quero jogar com os enxadristas mais fortes que você puder imaginar”

Maringá, 30 de junho de 2011 (quinta-feira). Nada menos que R$ 15 mil estava em jogo no Aberto do Brasil Victor Adamowski. Disputando a premiação estavam enxadristas do porte dos Grandes Mestres Giovanni Vescovi – então campeão brasileiro, Alexandr Fier e Everaldo Matsuura, além do argentino Sandro Mareco. Além deles, havia outros sete Mestres Internacionais e nove Mestres Fide entre os 157 inscritos no torneio.
Quando a competição começou, ninguém apostava que um Mestre Internacional paraguaio, que havia acabado de cumprir a última norma para ser nomeado Grande Mestre, seria o grande campeão três dias depois. Mas José Fernando Cubas quebrou a escrita. Com um xadrez sólido, ofensivo e indomável, que se tornou a marca registrada do enxadrista na Cidade Canção, ele venceu todas as partidas que disputou no torneio. Os três últimos confrontos foram um espetáculo à parte: vitórias contra os Grandes Mestres Everaldo Matsuura, Giovanni Vescovi e Alexandr Fier.
Foto: Johnny Katayama
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche eternizou a frase “Derrubar ídolos: isso sim já faz parte do meu ofício” – pensamento que também se aplica ao xadrez de José Fernando Cubas. No entanto, se alguém precisava de uma prova definitiva e inequívoca de que o ofício do paraguaio é encantar os maringaenses com partidas de xadrez espetaculares, esta veio no II Aberto do Brasil de Maringá, em agosto deste ano. Ele fez o que está acostumado a fazer na cidade: vencer.
Na segunda edição do Aberto do Brasil de Maringá, o paraguaio fez oito pontos nas oito primeiras rodadas e chegou a 15 vitórias seguidas jogando na cidade. Um empate na última partida do torneio interrompeu a sequência de vitórias, mas manteve a invencibilidade de Cubas e foi o suficiente para torná-lo bicampeão da competição. O GM Sandro Mareco, da Argentina, e o MI Dragan Stamenkovic, da Sérvia, foram duas das vítimas desta vez.
Foto: Johnny Katayama
Em entrevista exclusiva ao blog Xadrez – Maringá no fim do torneio, José Fernando Cubas falou sobre a carreira de enxadrista, as grandes performances que apresenta jogando na cidade, a proximidade do casamento e as expectativas para as Olimpíadas de Xadrez de Istambul, que começam segunda-feira (27).
Quando você começou a jogar xadrez?Meu primeiro contato com o xadrez foi quando eu tinha 7 anos. Naquele tempo eu só queria saber de jogar futebol, esporte que gosto até hoje. Até que um dia meu pai me chamou e falou “filho, você não vai correr o dia todo como um tonto atrás de uma bola”. Ele montou um tabuleiro de xadrez e me ensinou os movimentos das peças. No início eu não demonstrei interesse, mas a curiosidade foi aumentando com o tempo, fui entrando aos poucos no mundo do xadrez e e fiquei por aqui de vez.
Você veio ao Brasil pela primeira vez em 1991, para jogar um torneio sub-10 em São Paulo. Como foi sua estreia em solo brasileiro?Eu era campeão paraguaio sub-10, mas naquela época praticamente não havia concorrência, eu era campeão apenas por estar participando. Quando vim jogar no Brasil, ter perdido todos os sete jogos foi duro. Eu me lembro que eu chorava todos os dias depois de perder. Mas não desisti. Continuei ganhando os campeonatos nacionais de menores no Paraguai, o que me dava o direito de disputar o Campeonato Pan-Americano. Aos poucos fui melhorando também na competição continental, fazendo um ponto aqui, dois no ano seguinte, até que nos Jogos Pan-Americanos de 1996, em Laguna (Santa Catarina), fui campeão sub-16 com uma rodada de antecedência e me tornei Mestre Fide.
Quando você decidiu ser um enxadrista profissional?Eu sempre soube que o xadrez seria uma parte importante da minha vida, mas nunca imaginei que teria a importância que tem hoje. Quando terminei o colegial, comecei a estudar Engenharia em Informática em Assunção. Eu tinha 19 anos, estava no segundo ano do curso, mas eu não estava contente ali. Até que um dia, dentro da sala de aula, olhando para os meus colegas, e pensando: isso aqui não é para mim. Nunca vou me esquecer daquele momento. Eu me levantei, e falei para o professor: “você é muito bom, foi realmente um prazer ter aulas com o senhor, mas não vou voltar mais”. Saí da sala e nunca mais voltei. Na época, meus pais falaram: “Meu filho! Como você me faz uma coisa dessas?”. Mas eu estava decidido a me tornar enxadrista, queria me dedicar mesmo, me tornar alguém dentro do xadrez.
Nessa época, você tinha algum ídolo, alguém em quem você se espelhava dentro do xadrez?Nunca fui de colecionar ídolos. Mas um jogador que sempre me impressionou pelo estilo de jogo foi o Mikhail Chigorin [considerado "o último grande jogador da era romântica do xadrez", é um dos pais da escola soviética, que dominou o esporte a partir da segunda metade do século XX]. A forma como ele atacava, como trabalhava com os cavalos, era fascinante. Ainda hoje fico encantando quando revejo as partidas dele.
Além de jogar, você também dá aulas de xadrez. Atualmente é possível viver como enxadrista profissional apenas jogando?Na verdade, nem é essa a questão. Eu gosto muito de dar aulas, é uma atividade que faz eu me sentir bem. É aquela questão de transmitir um pouco do que você sabe para os alunos e aprender com eles também. Deixar um legado para meus alunos é algo que me fascina, nem considero um trabalho, para mim é como um passatempo. Além das aulas, também ministro palestras e partidas simultâneas também.
Durante muito tempo o xadrez paraguaio foi representando no Paraná pela figura do MF Luiz Carlos Patriarca, que durante muitos anos defendeu Foz do Iguaçu nos Jogos Abertos do Paraná. O que ele representa para o Paraguai?Ele é uma lenda do xadrez paraguaio. Um jogador que ganhou tantos campeonatos nacionais como ele, dominou o cenário nacional por tanto tempo. Até hoje, se ele disputar um Campeonato Paraguaio, certamente deve ser apontado como um dos favoritos ao título. Recentemente ele teve um problema de saúde, mas felizmente já está se recuperando, então provavelmente ainda vamos ouvir falar muito mais do Patriarca.
Depois de um começo ruim, você também fez história jogando no Brasil. Um dos capítulos mais inesquecíveis desta carreira foi em 2004, quando você foi chamado para jogar um torneio no lugar do GM Julio Granda…Eu já estava no Brasil, me preparando para jogar um “torneio B”, que reunia alguns Mestres Internacionais, já estava inclusive emparceirado para a 1ª rodada. Até que, por volta das 8h, um organizador do torneio me procurou e disse que o GM Julio Granda [Julio Ernesto Gradna Zúñiga, Grande Mestre peruano cinco vezes campeão nacional e um dos melhores jogadores da América Latina] não poderia vir para o torneio, e me pediu para substituí-lo. Ele iria participar de um match entre duas equipes: uma com os principais enxadristas brasileiros, e a outra que reunia grandes jogadores da América Latina.
Tive apenas alguns minutos para pensar, e acabei aceitando. O fato curioso dessa história é que durante o congresso técnico, quando o organizador foi informar aos outros enxadristas sobre a substituição, eu estava atrás de um banner e, sem conseguir me ver, o Vescovi [GM Giovanni Vescovi, sete vezes campeão brasileiro e 64º melhor enxadrista do mundo em 2010] pediu a palavra e, embora tenha me elogiado, disse também que o nível do torneio cairia com minha entrada, e deu a entender que não era para jogar uma competição daquele nível que ele estava lá.
É difícil explicar como me senti naquele momento, escutando atrás do banner. Raiva.. Vontade de chorar… Mas para minha sorte, logo de cara tive a chance de jogar contra o Vescovi uma partida de xadrez convencional e outra de xadrez rápido, e ganhei as duas. Foi nesse momento que eu pensei: cara, eu consigo!
Durante sua carreira como enxadrista profissional, você já pensou em desistir?Várias vezes! Eu sempre fui feliz jogando xadrez, mas às vezes sentia que algo estava errado, que eu não estava conseguindo evoluir. Em 2006 eu estava decidido a me aposentar do xadrez, voltar a estudar e dar outro rumo para minha vida. Eu decidi que as Olimpíadas de Xadrez de 2006 [em Turim, na Itália] seriam meu torneio de despedida, e joguei decidido a dar o melhor de mim. Foi aí que o xadrez me prendeu novamente. Voltei da Itália com dupla norma de Grande Mestre [o maior dos títulos vitalícios concedidos pela Fide], como poderia me aposentar dessa forma?! Resolvi continuar.
Nas Olimpíadas de 2010, na Rússia, aconteceu outro momento decisivo da sua carreira, que você mesmo classificou como “o momento em que você viu que poderia vencer um enxadrista da elite”…Foi realmente um acontecimento marcante na minha carreira. Eu acreditava que havia um limite, e quando via os enxadristas da elite jogando entre si, eu acreditava que nunca chegaria lá. Mas aí, jogando contra eles, eu vi que eram, de fato, adversários muito duros, mas que havia, sim, uma chance de vencê-los. Até que, no match entre Paraguai e França, eu me sentei diante do Vachier-Lagrave [GM Maxime Vachier-Lagrave, considerado  o 23º melhor enxadrista do mundo em 2009 e 3º melhor sub-20, com ELO de 2718] e disse a mim mesmo: agora é a minha vez!
Ter vencido esse jogo me motivou muito, e a partir daí eu acredito que realmente me tornei outro jogador.
No ano passado, você veio jogar o Aberto do Brasil de Maringá com a última norma de Grande Mestre garantida, faltando apenas a homologação da Fide, e pôde comemorar o título com 100% de aproveitamento no torneio. Na última rodada, inclusive, você já vinha de vitórias contra os Grandes Mestres Geovanni Vescovi e Everaldo Matsuura, e seu adversário, o GM Alexandr Fier, ofereceu um empate que garantiria o 1º lugar para você e o vice para ele. Mas você recusou, e acabou vencendo a partida. De onde você tira tanta confiança?Eu já perdi tantas partidas, que uma derrota a mais não faria diferença. É claro que eu não gosto de perder, mas existem momentos nos quais eu realmente preciso tentar, ir para o jogo, porque eu tenho uma grande vontade de vencer.
Neste ano, no II Aberto do Brasil de Maringá, você novamente chegou à última rodada com 100% de aproveitamento, até empatar a última partida e ser novamente campeão invicto. Hoje você se sente otimista jogando em Maringá?Sinceramente, nem mesmo eu esperava por esse desempenho (risos). Mas eu me sinto muito bem jogando em Maringá. O clima da cidade é um pouco parecido com o de Assunção, onde nasci, e até com Santa Isabel [cidade do interior Paulista próxima a Guarulhos], onde moro. Tem esse calor gostoso, que faz eu me sentir em casa.
Neste ano as Olimpíadas de Xadrez vão ser em Istambul, mesma cidade que sediou os jogos de 2000, quando você estreou pela seleção olímpica do Paraguai. O que você espera desta edição do torneio?Eu quero jogar contra os enxadristas mais fortes que você puder imaginar. Quero me sentar à frente de todos os jogadores da elite que eu puder, vou à Turquia com muita vontade de enfrentá-los. Não quero fugir deles, seria uma honra jogar contra os mais fortes do mundo e estou torcendo para que isso aconteça. E as Olimpíadas são um torneio entre equipes, e para nós enfrentarmos a elite, o time todo precisa ir bem. Então, torço muito para todo o time.
Qual é o próximo passo que você pretende dar em sua carreira?Eu gostaria muito de chegar a 2600 de ELO Fide. É um objetivo difícil, principalmente depois de eu ter jogado um péssimo torneio em Osasco, que me fez perder quase 40 pontos. Mas já estou me recuperando, e voltando a pensar nessa marca.

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