sábado, 8 de outubro de 2011

SAPIENTE ANÁLISE DAS ATITUDES TOMADAS...

O conceito Medo no Xadrez

Todo jogador de xadrez conhece a célebre máxima que diz: “a ameaça é mais forte do que a execução.” Conta-se que Nimzowitsch proferiu tal frase quando certa feita estava para jogar contra o forte adversário fumante chamado Vidmar. Nimzowitsch não gostava nada que seus oponentes fumassem durante as partidas. Vidmar, sabendo disso, levou seu cigarro e seu fósforo para a sala de jogos. Durante a disputa ele ficou com o cigarro apagado na boca e com o fósforo na mesa. A simples ameaça de acender o fumo desconcertou Nimzo que não tinha como reclamar e acabou perdendo a partida facilmente.

E nós, enxadristas comprometidos com a causa de Caissa, seguidamente nos vemos ludibriados por uma ameaça que não é objetivamente tão forte, apesar da aparência, e deixamos nossa posição colapsar com lances defensivos e profiláticos, ao invés de iniciar aquele tão querido contra-ataque que poderia ter sido e não foi. Mera questão de conceito? Talvez. Mas eu diria mais: questão de sentimento, emoção, medo – e no xadrez não existe conceito mais importante do que controlar esses aspectos inerentes em qualquer posição, desde o simples primeiro lance da partida.



Jogam as pretas e seguram a posição.


Na posição acima, tirada da partida entre Baadur Jobava da Georgia e Namig Guliyev do Azerbaijão, jogada na Copa do Mundo de Xadrez que aconteceu em Khanty-Mansiysk na Russia no mês de Setembro desse ano, percebe-se que as peças brancas estão assustadoramente colocadas na vizinhança do rei preto. O pobre monarca encontra-se encurralado em h8, com colunas abertas, diagonais e patadas de cavalo atingindo sem piedade o que outrora fora a fortaleza que o protegia. Assusta e assusta muito. Qualquer um poderia nessa posição perder a cabeça e fazer justamente aquele lance defensivo que perde. Foi o que aconteceu com Guliyev que teve que abandonar rapidamente. Vejamos como ele continuou a partida:

1. ... Dc7 2. Txf7 Tf8 3. Taf1 Txf7 4. Txf7 Tf8 e agora nessa posição as brancas tem mate forçado em 4 lances. Desafio o leitor a encontrá-lo.


Brancas jogam e dão mate em 4 lances.


Mas vejamos por outro lado esse intrigante ataque: as virtudes de uma posição não são vistas e são deixadas de lado porque o sentimento de medo que as ameaças impelem nos impede de vê-las. Afinal, o cavalo preto em d4 e o bispo em e5 estão muito bem colocados e, apesar da posição exposta do rei, o centro é controlado harmoniosamente pelas peças e peões pretos. Um conceito muito importante aparece latente nesse momento: se uma ataque em uma das alas se avizinha, mantenha-se de olho atento para o centro, é lá que vai acontecer a verdadeira batalha. Por isso que um ataque em uma das alas só vai ter reais chances de ser vencedor, salve as exceções, se o centro estiver estabilizado. Por que então o branco teve sucesso nessa partida? Porque, a tática, que é o cão de guarda da estratégia, do xadrez posicional, esteve dormindo enquanto soldados inimigos saqueavam o palácio real.

Vejamos como seria possível uma defesa satisfatória, a partir do primeiro diagrama:
1. ... Tg8 2. Txf7 De8 3. Taf1 essa é a parte crítica em que dentre inúmeras possibilidades de defesa, as negras terão que escolher qual, em seu ponto de vista, é a mais promissora 3. ... h6 4. Cd5 exd5 5. Td7 Ce2 + 6. Rf2 Bc8 7. Bf6+ Bxf6 8. Th7 Rxh7 9. Cxf6+ Rh8 10. Dxg8 Dxg8 11. Cxg8 Rxg8 12. Rxe2 – e não há dúvidas de que o pior já passou.

4. ... Cc6 com ameaça de Bd4+ seguido de Cce5 e as peças pretas ficam ainda melhores colocadas.

Não estou dizendo que a posição do preto é melhor ou mais confortável. Mas assim como os lances defensivos são difíceis de serem encontrados, nessa posição também os lances de ataque não são nada fáceis. Qualquer vacilo de ambas as partes pode ser fatal – um vacilo por parte do preto pode levar o seu rei ao xeque-mate e um vacilo por parte do branco pode deixá-lo com grande desvantagem posicional que fatalmente o levará a derrota. Portanto, se estamos com nossa parte conceitual em dia, teremos certamente mais confiança para achar os lances corretos que garantem a nossa permanência firme na partida, pois sabemos que eles têm que necessariamente existir. De outra maneira, se nos sentimos perdidos e não conseguimos enxergar as possíveis virtudes de nossa posição, estamos com certeza fadados ao fracasso.

Estive em situação análoga na última rodada da Semifinal do Campeonato Brasileiro em 2010. Na ocasião eu enfrentava de pretas o MF Frederico Matsuura (Irmão do famoso GM Brasileiro Everaldo Matsuura). A seguinte posição foi alcançada:



Por incrível que pareça eu me sentia mal nessa posição – olhando agora de longe nem mesmo eu consigo entender por que a eminência do ataque branco me cegou tanto os olhos. Na entrevista que eu dei para o Guiga, pouco depois da semifinal, eu falei da seguinte maneira a respeito dessa partida:

“Na última e decisiva rodada, eu tinha a chance, caso vencesse, de ficar entre os primeiros colocados da competição com 5 pontos. Joguei contra o MF F.M e superestimei a posição do meu adversário, fazendo lances defensivos muito fracos, ao invés de pensar no contra-ataque pelo centro e explorar minha maioria na ala da dama. Matsuura se aproveitou da oportunidade e entrou com todas as peças na minha ala do rei e eu tive que abandonar, após algumas especulações.”


A partir da posição mostrada, a partida seguiu da seguinte maneira: 1. ... Te8?Fraquíssimo. A torre não faz nada em e8 – a minha única ideia nesse lance era liberar a casa f8 para que uma peça viesse defender minha ala do rei. O avanço do peão “f” do meu adversário me dava calafrios. Ao invés disso, um plano muito simples era possível: 1. ... Bc6 seguido de Ta8, tomando posse da coluna. O que me fez rechaçar de pronto essa possibilidade foi a seguinte variante: 2. Ch4 Ta8 3. Dg4 – a chegada de tantas peças na vizinhança do meu rei, além do possível avanço do peão “f” foram as razões dos meus subsequentes erros. Eu não consegui enxergar que minhas peças bem articuladas no centro eram suficientes para a defesa e inclusive para pensar na vitória. Depois de 3. ... Rf8 o ataque das brancas é estancado porque o avanço do peão “f” é impossível, pois nesse caso o bispo de e3 ficaria indefeso. 4. Dh5 Db7 e agora que mais o branco pode fazer além de especular com 5. Cg5 C(d7)b6?

2. Ch4 Be7 3. Dg4 Rh8 4. Dh5 Rg8 5. Bxh6 gxh6 6. Dxh6 Bf8 7. Dg5+ Bg7 8.Cd6 Te7 O ataque, apesar do erro, foi parado graças à boa colocação das peças pretas e o domínio do centro. Mas nesse tipo de posição são os nervos que mandam e a dificuldade é que é preciso sempre se fazer os melhores lances, caso contrário o ataque branco volta a ser muito perigoso.

9. Ta1 Bc6 10. Cf3 Cf8 Outro lance estritamente defensivo em um momento que não era necessário. Era possível 10. ... Dc7 e em algumas linhas até f6 pode ser jogado. 11. h4 11. Cc8 era bom. Eu não me preocupei com isso pois na minha concepção trocaria uma torre passiva por um cavalo bastante ativo. Mas no final das contas o final que se apresenta é bastante favorável às brancas. 11. ....Ta7 12. Tb1 Aqui as pretas tomam a iniciativa. O fato é que durante a partida as avaliações são muito obscuras e dificilmente se tem certeza para onde a correnteza vai nos levar. 12 ... Cd3? Uma pena, a seguinte variante daria excelente perspectivas para as pretas: 13. ... Bxe4 14 Bxe4 Ch7 15. Dg3 Rf8 e a maioria preta se prepara para avançar. 13. Dg4 Bxe4 14. Cxe4 Rh8? O erro decisivo. Com 14. ... Ch7 o ataque branco é parado e as vantagens da posição preta aos poucos iriam se fazer sentir. Se 14. Cf6+ as negras simplesmente retiram seu rei para h8. 15. Dh5+ Rg8 16. Cf6+ Bxf6 17. exf6 1-0

Portanto, olho atento para que nossas decisões não sejam influenciadas por fatores psicológicos. Embora seja claro que elas sempre serão, com certeza se tivermos mais atenção a esse fator tão importante do xadrez, menos erros cometeremos e os resultados positivos aumentarão consideravelmente.

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