segunda-feira, 12 de setembro de 2011

BRASIL - 1970 - DOS PÉS A CABEÇA - DO FUTEBOL AO XADREZ: PELÉ, FITTIPALDI E MEQUINHO... SUCESSO NO MUNDO...

Henrique Costa Mecking
Na década de 1970, três esportistas brasileiros tinham status de personalidade reconhecida e admirada no mundo inteiro. Eram eles: Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, Emerson Fittipaldi, primeiro brasileiro campeão mundial de Fórmula-1, e Henrique Costa Mecking, o gênio do xadrez mais conhecido como Mequinho.

Aos 7 anos, em simultânea em Pelotas/RS Foto: Arquivo Pessoal
Nascido em 23 de janeiro de 1952, em Santa Cruz do Sul (RS), Mequinho aprendeu a mover as peças com sua mãe, Maria José Costa Mecking, quando tinha apenas cinco anos, e tornou-se o mais jovem Mestre Internacional da história, aos 15 anos - evidentemente, hoje este recorde já foi superado. O título de GM veio aos 20 anos, sendo o primeiro brasileiro a se tornar Grande Mestre de Xadrez.

A ascensão de Mecking foi tão extraordinária e inédita para o xadrez brasileiro que o presidente Emílio Médici o apoiou intensamente, a partir de 1971, desejando associar sua imagem de estrategista de sucesso nos tabuleiros à eficiência do governo da época, que ainda estava sob o regime militar. Seu desempenho no esporte não deixava para menos: alcançou o 3º lugar no ranking mundial, em 1977, com 2.635 pontos-ELO (atrás do GM Anatoly Karpov e do GM Viktor Korchnoi, o campeão e o vice-campeão mundial da época, respectivamente), e colecionou títulos e vitórias surpreendentes para um sul-americano que enfrentava praticamente sozinho os sólidos e unidos jogadores da extinta União Soviética e demais países da cortina de ferro.
Diziam que ele seria o novo Fischer, um jovem prodígio capaz de afrontar a hegemonia russa. Venceu dois Torneios Interzonais, que classificava para o Torneio de Candidatos, em Petrópolis-1973 (RJ) e Manila-1976 (Filipinas), à frente de nomes já consagrados como Boris Spassky, Vassily Smyslov, Paul Keres, Efim Geller, Lajos Portisch, Lev Polugaevsky e David Bronstein. Talvez por isso, os russos sempre o criticaram, como uma forma de afetá-lo psicologicamente. Antes de seu match em Augusta (1974), contra Viktor Korchnoi – que, naquela época, ainda pertencia à URSS -, alguns jogadores soviéticos deram entrevistas criticando bastante seu jogo, como Petrosian e Tahl.

O ex-campeão mundial Tigran Petrosian foi, provavelmente, um dos seus maiores opositores. Declarava publicamente que o jogo de Mecking era “muito animado” e que ele desconhecia o conceito de casas fracas. É verdade que, quando Mecking perdeu para Petrosian, ainda era apenas MI e, mesmo assim, havia recusado empate em uma dessas derrotas. “Um Grande Mestre naquele torneio chegou para mim e disse: ‘como você ousa recusar empate contra o ex-campeão mundial?’ É por isso que ele ganha muito: porque seus adversários querem derrotá-lo”, relata.

Botvinnik (pretas) x Mecking, Hastings, 1966
De fato, Mecking custou a entender isso, até que, anos depois, enfrentou Petrosian novamente e empatou. Sua história corrobora uma conhecida frase sobre seu opositor, que jogava de forma posicional como poucos outros e raramente era derrotado, herdando o injusto apelido de 'rei dos empates': “Dizem que minhas partidas deviam ser mais interessantes. Eu poderia ser mais interessante… e também perder”, defendia-se Petrosian.

Com exceção de Petrosian, o jogo de Mecking preocupava bastante aos demais soviéticos. Ele perdia pouquíssimas vezes e vencia de forma implacável, calculando de forma exímia e não dando chances aos oponentes. Em seu currículo, trazia vitórias contra os ex-campeões mundiais Mikhail Tahl e Vassily Smyslov (duas vezes), e empates com Bobby Fischer (quando ainda era apenas MI!), Anatoly Karpov e Mikhail Botvinnik, além de já ter derrotado Viktor Korchnoi (aos 15 anos, também como MI), e os famosos argentinos Oscar Panno e Miguel Nadjorf.

E, então, assim como Fischer, de repente ele desapareceu, sucumbindo a uma doença misteriosa chamada miastenia gravis – que compromete o sistema nervoso e os músculos. Parecia o fim, sua doença era incurável e ele se retirou dos tabuleiros para lutar pela vida. Mesmo desenganado pelos médicos, ressurgiu atribuindo sua cura à fé, o que o levou a converter-se à religião Católica. Nos 12 anos seguintes, deixou o jogo de xadrez de lado, formou-se em Teologia e Filosofia Católica e praticou sua fé fervorosamente.

Quando todos pensaram que sua carreira de enxadrista já havia sido extirpada de sua vida, eis que, em uma jogada surpreendente, anunciou seu retorno. Disputou matches contra os mais fortes brasileiros da atualidade, como o GM Giovanni Vescovi e o GM Alexandre Fier, e jogou diversos outros torneios. Teve uma volta difícil, como era de se esperar de qualquer esportista após mais de 10 anos de inatividade, mas, vez ou outra, demonstra resquícios daquele jogador que foi em seu auge.

Invicto em simultâneas há 30 anos Foto: Francisco Dandao/AE
Depois de sua volta, em 1991, já representou o Brasil em duas Olimpíadas (2002 e 2004), venceu o 2º Festival de Lodi, na Itália (2006), foi campeão brasileiro de blitz pela internet (2008) e disputou o popular Torneio Corus, na Holanda (2009), além de outras competições internacionais na Romênia e na Argentina. Apesar disso, dificilmente disputa os mais fortes torneios que poderia, como a Olimpíada de Xadrez e o Campeonato Brasileiro (do qual detém apenas 2 títulos, conquistados nas duas únicas vezes em que o disputou; o recordista brasileiro, por exemplo, possui 7 títulos).

Hoje, aos 58 anos, com uma convicção obsessiva no que diz e enfrentando a descrença da maioria, Mecking afirma que voltará ao topo. Aposta que seu retorno à elite máxima do xadrez mundial será "um presente de Deus" e se divide entre orações e estudos de xadrez, para atingir o objetivo máximo. Também realiza palestras e simultâneas, das quais ele se orgulha de estar invicto há 30 anos.

Capa da revista Veja em agosto de 73
De 13 a 25 de janeiro de 2011, Mequinho terá uma nova chance de mostrar que sua fé está certa: vai disputar o fortíssimo Memorial Antonio Rocha 2011, em Campinas (SP), que conta com a presença dos GMs Giovanni Vescovi, Rafael Leitão, Everaldo Matsuura, Sandro Mareco (ARG), Andres Rodriguez (URU), Neuris Delgado (COL), Oswaldo Zambrana (BOL) e outros jogadores, totalizando 15 participantes. É esperar para crer no milagre.

Algumas declarações sobre Mecking no passado e presente:

“Em situações como essas [Polugaevsky 1-0 Mecking, Mar del Plata, 1971, após lance 16], experientes e frios defensores geralmente salvam o jogo, mas o que vemos é a diferença de categoria entre os dois jogadores. Polugayevsky é maduro e posicional enquanto Henrique Mecking...", de Mark Dvoretsky, em seu livro Secrets of opening preparation - School of future Champions, vol. 2 (2007), pg. 84-94

“Mecking era, naquela época, o melhor enxadrista do lado ocidental, depois que Fischer se afastou. Ele perdia algumas partidas no meio-jogo porque desconhecia certas armadilhas que já eram comuns para os soviéticos”, de GM Anatoly Karpov, em 2004, em visita ao Brasil

“Ele [Mecking] não é um jogador ruim. Inclusive, pode jogar melhor, mas eu tenho certeza que ele nunca será campeão do mundo. Principalmente pelo seu jeito de pensar xadrez. Mecking não entende, por exemplo, o significado de casas fortes e fracas. Ele também não entende a profundeza das posições e tenho dúvidas quanto ao seu futuro no xadrez", de GM Tigran Petrosian, em entrevista em 1972

“Por certo, Mecking se considerava um discípulo de Fischer e inclusive o imitava, não no jeito de jogar, mas em suas declarações ultrajantes. Em todo caso, Fischer não tinha uma boa opinião sobre o prodígio brasileiro: "Esse valentão disse uma vez: ‘Se Fischer perder para mim, isso não prejudicaria em nada sua reputação!’. Ele é um falador, eu só perderia para ele se fosse picado por uma serpente venenosa!”, de Garry Kasparov, em seu livro Meus Grandes Predecessores, volume 4, pg. 370 (2006)

“Na partida Mecking x Botterill [Hastings, 1972, Mecking ficou em 2º e fez norma de GM na ocasião], ambos estavam no apuro de tempo, com 2 ou 3 minutos para 8 lances. Mecking acionou o relógio e manteve sua mão sobre ele, não permitindo que o inglês o acionasse. O árbitro não viu e Botteril perdeu a calma e, em dois lances, a partida. Todos ficaram extremamente indignados e Najdorf chamou Mecking de "o bandido dos tabuleiros", do livro The Games of Anatoly Karpov, de K. O'Connel e J. Adams, Pitman Publishing (1974)

“Em 1972, quando enfrentou o ex-campeão mundial Tigran Petrosian no torneio de San Antonio, Mequinho descobriu que tinha que lutar dentro e fora do tabuleiro. O grande mestre soviético "só fazia silêncio quando era a vez dele jogar. Toda vez que eu tinha que pensar ele estava cutucando a mesa com o joelho e o tabuleiro com o cotovelo para chacoalhar a mesa. Se não fosse suficiente para incomodar-me, Petrosian ficava fazendo ruídos, derrubando café, e tudo com ritmo variável. E rolando uma moeda na mesa". Depois de reclamar três vezes com os árbitros, Mequinho resolveu fazer barulho quando era sua vez de jogar. Petrosian calmamente desligou seu aparelho auditivo e ganhou a partida”, de Paul Hoffman, em artigo no Washington Post ‘Winning by Rook or by Crook’ (2007)

"Eu acho que o Mequinho é disparado o melhor jogador de finais da história brasileira. Ele joga muito bem finais, não sei dizer por qual razão, mas efetivamente ele joga muito mais [...]. O fato dele jogar bem não é porque ele vem de uma outra geração, mas é uma qualidade que ele tem, como hoje o [GM Levon] Aronian é o melhor jogador de finais do mundo, e é de uma geração super nova", de GM Gilberto Milos, na Rádio Xadrez #6 (parte 1)

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Faça o download ou ouça!

Sobre seu passado e presente, seus objetivos e planos e muito, muito mais de sua carreira e expectativas, Mecking contou com exclusividade no episódio de encerramento da Rádio Xadrez em 2010, que você pode ouvir abaixo (no player) ou baixar:



Músicas que tocam neste episódio:
  • Super-Heróis, de Raul Seixas
  • Si La Muerte Pisa Mi Huerto, de Juan Manuel Serrat
  • Negro Gato, de Roberto Carlos
Conheça os livros que Mecking comenta neste podcast:
Assista no YouTube:
The legendary Brazilian chess player

1970: Maracanã, Brazil
The soccer, as we know it nowadays, was invented in England, in 1848. However, its mastery hasn't taken too much time to spread all over the world and, nowadays, there are good players either in Europe or in the other continents, especially in South America. With chess, though, the situation was not alike: invented in the East, the history of this fascinating sport of the boards shows a dominance of European and Asian countries, especially in the Era of the geniuses from USSR, from Alexander Alekhine to Boris Spassky.

Remarkable names of chess from the Western side are just a few, compared to the others. Between them, we could mention Paul Morphy (USA), José Raul Capablanca (CUB) and Bobby Fischer (USA). There is also a name which, curiously, comes from a country which the main sport is the soccer: Henrique Costa Mecking, the Brazilian genius better known as Mequinho.

This week, Henrique Mecking, today with 58 years old, took part of Rádio Xadrez's podcast - a Brazilian blog of interviews, among them one with WGM Nathalia Pogonina - and told a little bit about his career and his future plans (read below some interview extracts).

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